Uma Portaria do Ministério da Saúde do dia 27/11 apresenta uma lista de doenças relacionadas ao trabalho, bastante aumentada em relação à anterior. Muitos saudaram a notícia com entusiasmo. “Viram só quem está lá? Ele, o burnout!”. Ouvi nas mídias.
Há duas observações importantes a fazer sobre o assunto: a primeira é que essa notícia é pão amanhecido, muito amanhecido!… Por que? Porque burnout está na lista de doenças relacionadas ao trabalho desde 1999 (isso mesmo, desde o século passado, por assim dizer…). Aparece lá no Decreto 3048 do mesmo Ministério da Saúde, no Anexo II. (Se você quiser encontrar o burnout nesse Anexo, é preciso dar CTRL F em “Burn-Out”, pois é assim que está escrito). A novidade não é nada nova, portanto.
A segunda observação é que, ao manter o burnout na lista, essa Portaria passa por cima da Organização Mundial da Saúde, que diz taxativamente que burnout “não é uma condição médica”, “não é uma doença” e “não é condição de saúde”. Se você quiser conferir, basta dar um Google em “WHO 28 burnout” para acessar a página oficial da instituição onde isso está escrito. Vale lembrar que a Organização Mundial da Saúde é a entidade normativa mais importante e mundialmente acatada sobre assuntos relacionados à saúde humana. Mas aqui no Brasil, já em 1999, como agora, cria-se uma doença através de Decreto ou Portaria ministerial…
Em tempo: a OMS, apesar de sua importância e respeitabilidade, acabou cometendo um lapso nesse caso, permitindo que toda a confusão do burnout acabasse migrando para dentro da CID 11. Por que? Porque adotou um conceito de burnout que depende de um questionário para identificar o fenômeno. Esse questionário, por sua vez, atribui “burnout” – no mínimo burnout leve – a cem por cento dos respondedores. A nota a que me referi acima foi publicada vinte e quatro horas depois da apresentação da CID 11 em coletiva de imprensa em 2019. Os técnicos, vendo as manchetes do dia seguinte, se deram conta da enorme confusão criada em torno do assunto e correram para tentar apagar o incêndio, mas já era tarde demais e o imbróglio está aí até hoje.
Isso me faz lembrar de um ensaio da Jill Lepore, intelectual americana muito respeitada, escritora, ensaísta e professora de História em Harvard. Esse belo trabalho foi publicado em 2021 na “The New Yorker”. O título é “Burnout: aflição moderna ou condição humana?”. Ali há uma frase que resume boa parte das fragilidades desse conceito: “Se você pensa que tem burnout, você tem burnout, e, se você não pensa que tem burnout, você tem burnout.” Durma-se com um barulho desses!
Fonte: Dr. Estevam Vaz – Psiquiatra e Psicanalista
Veja também: Burnout, a doença que não existe: um mergulho na “doença do século”
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