O professor de psicanálise e psicanalista Ronaldo Coelho, da capital paulista explica sobre fetiches incomuns depois que o ator e escritor Fernando Mais (intérprete do personagem Zecão no filme Turma da Mônica) teve seu terceiro livro mais vendido na última segunda-feira, dia 10/07. O livro está classificado na categoria de ficção erótica e traz desejos escatológicos que leva a questionamentos do tipo: o que leva alguém ter fetiche por fezes e urina?
“Na psicanálise há uma hipótese que orienta a investigação clínica, quando necessária para o cuidado com o sofrimento quando o assunto é fetiche. Para Freud, o fetiche se estabelece como depositário da libido em uma fase específica do desenvolvimento psicossexual que ele chamou de fase fálica. A genitália feminina, ausente do falo, entendida como castrada, seria substituída pelo objeto alvo do fetiche. Contudo, essa hipótese do funcionamento teria por função, repito, não a explicação, mas um caminho possível de investigação clínica, caso seja necessária para o tratamento. Assim como nos ensina o próprio Freud, caso o caminho próprio da análise mostre outra direção de sentido, devemos seguir pelo que ela nos mostra e não se apegar religiosamente à hipótese teórica. Portanto, a ‘explicação’ apropriada só pode ser construída junto a cada pessoa, pela análise singular de cada um”, diz.
Os fetiches são considerados um transtorno parafílilco?
De acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), Ronaldo explica que o termo parafilia representa qualquer interesse sexual intenso e persistente que não aquele voltado para a estimulação genital ou para carícias preliminares com parceiros humanos que consentem e apresentam fenótipo normal e maturidade física.
“A parafilia se faz em oposição ao que o se denominou de interesses ‘normofílicos’. Quando os interesses parafílicos são iguais ou maiores do que os normofílicos, conclui-se que há uma parafilia presente. Contudo, não se pode falar em transtorno parafílico se a condição não implica sofrimento para a pessoa, dano para sua vida ou para a vida de outro. Essas são condições indissociáveis para que possamos considerar a presença de um transtorno.
A parafilia por si só é apenas uma exceção à norma, do que seria predominante na sociedade e por isso foi normalizado, e ela pode muito bem não oferecer riscos ou danos a ninguém e a pessoa pode estar em paz, vivendo sem sofrimento”, fala o especialista.
Para o professor de psicanálise é importante salientar que fetiches precisam ser dissociados do caráter de uma pessoa. “É interessante a gente retomar a história do termo. Antes de ser denominado de parafilia, algumas correntes de pensamento trataram como “perversões sexuais”.
Para corrigir o equívoco que o o termo causava, que é justamente associar a parafilia à uma condição de caráter da pessoa, foi alterada a nomenclatura. Contudo, os avanços nas ciências não são acompanhados dos avanços sociais na mesma velocidade. Muitos dos que se reconhecem como praticantes do fetichismo não apresentam sofrimento ou prejuízo algum em suas vidas, não apresentam desvios de caráter ou danos a outras pessoas, o que parece ter sido a situação do referido ator até o momento”, finaliza Ronaldo.
Sobre Ronaldo Coelho
É idealizador e professor do curso Análise do Discurso na Clínica Psicanalítica, que tem por objetivo formar psicólogos e psicanalistas para realizarem uma análise consistente de seus pacientes desde a primeira sessão. Atua como psicanalista em seu consultório particular e mantém o canal Conversa Psi no YouTube.
Graduado em Psicologia (USP) e Mestre em Psicologia Institucional (USP). Foi professor de Psicologia Médica do curso de graduação de Medicina (UNIFESP) e preceptor da Residência Multiprofissional em Saúde (UNIFESP). Trabalhou em hospitais como Hospital São Paulo e Hospital Universitário da USP, onde, além da assistência aos pacientes e familiares, realizava supervisão clínica de atendimentos psicológicos desenvolvidos por estudantes e psicólogos, orientação de pesquisas e aulas em Psicologia Hospitalar.
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