O que mais se tem hoje em dia sobre burnout, nos diversos meios de comunicação, é quase sempre “mais do mesmo”. Por outro lado, há informações a um só tempo importantes e surpreendentes sobre o fenômeno e que poucos conhecem. Lá vão sete curiosidades sobre burnout:
- O termo é usado desde a década de 50 nos EUA e foi se tornando popular. Na década de 80 já estava incorporado à linguagem do dia-a-dia dos americanos.
- Para Freudenberger, considerado o criador do conceito, distrações podem levar alguém ao burnout se a pessoa ficar muito ligada nelas. Que distrações? Fazer caminhadas, assistir TV, jogar na loteria, fumar maconha, etc.. Está tudo em seu livro “The high cost of high achievements”.
- Para Freudenberger as pessoas com perfil para desenvolver burnout têm, dentre muitas outras características, a de serem como carismáticas, poderosas, invencíveis e capazes de tarefas sobre-humanas. Chega a dizer que um trabalhador mediano nunca alcançaria esse estado. Conclui-se que o perfil de candidatos a burnout é o de pessoas absolutamente extraordinárias e que pouquíssimos desenvolveriam a “doença”.
- Em completo contraste, para Maslach, a psicóloga que criou o conceito atual de burnout, cem por cento das pessoas apresentam o diagnóstico. No mínimo, burnout leve. Ou seja, o oposto do que dizia Freudenberger.
- O conceito atual de burnout é dado pelo MBI, o Maslach Burnout Inventory. O MBI, embora ninguém fale dele, é considerado sinônimo de burnout pelos próprios autores, que dizem: “Na prática, o conceito de burnout coincide com o MBI e vice-versa”. É um questionário com vinte e duas perguntas. Mesmo que você responda que nunca teve problemas com o trabalho, receberá o rótulo de “burnout leve”.
- A contrário do que a maioria acredita, a Organização Mundial da Saúde diz que burnout não é uma condição médica, não é uma doença e não é uma condição de saúde. Dê um google em WHO burnout 28 para conferir por você mesmo na página oficial da OMS. Essa informação é exatamente o oposto do que circula mundo afora, que afirma que na CID 11 burnout passou a ser classificado como doença. (A OMS tem parte da responsabilidade pela desinformação que tomou conta do assunto).
- O conceito de burnout adotado pela Organização Mundial da Saúde é o do MBI (exaustão, cinismo, eficácia profissional). O MBI é um bem privado, ou seja, tem dono e é rigorosamente protegido por direitos autorais. Você precisa autorização por escrito para usar. Cada folha custa dois dólares e cinquenta centavos. Portanto, para você pesquisar burnout de acordo com o critério adotado pela OMS, você precisa pagar. Ou seja, a OMS acabou homologando o primeiro fenômeno humano protegido por direitos autorais. Sim, foi isso mesmo que você leu.
Surpreso? Aguarde que tem mais!
Veja também: Síndrome de burnout: como as empresas podem prevenir e lidar com o tema
Mais sete curiosidades (surpreendentes) sobre burnout!
- A noção de burnout surgiu dentro das Free Clinics americanas nos anos 60. Free Clinic foi um movimento que oferecia atendimento para populações desassistidas, principalmente hippies. Burnout era uma gíria que usavam entre si para se referir a alguns deles quando entravam num quadro grave de saúde devido ao abuso muito pesado de drogas. Posteriormente, os próprios voluntários da clínica passaram a usar o termo entre si quando se sentiam angustiados, deprimidos, sobrecarregados ou frustrados. Freudenberger se interessou pelo fenômeno e passou a falar e escrever sobre ele. Foi assim que tudo começou. Muitos pensam que a noção de burnout surgiu recentemente ou que corresponderia ao nome de alguém que teria inventado o conceito (o senhor Bourneaux, provavelmente francês…)
- Por ser um termo em inglês, muitos – inclusive profissionais da saúde – acham que burnout é um diagnóstico da psiquiatria americana. Nada mais longe da verdade. Não existe burnout nos DSM, inclusive no último, o DSM 5. Para ser preciso e não deixar dúvidas, a palavra burnout aparece uma vez no DSM 5, num Apêndice intitulado “Síndromes ligadas à cultura”. Ali são descritos transtornos mentais específicos de pequenos grupos étnicos e o termo “burnout” aparece assim, entre aspas. Ou seja: a própria Associação Americana de Psiquiatria (APA) trata o termo como uma gíria. (O DSM corresponde à nossa CID e é produzido pela APA).
- Schaufeli, o principal teórico da área, compilou 132 sintomas de burnout na literatura internacional (isso mesmo: cento e trinta e dois). Com 132 sintomas, burnout seria a mais bizarra e extraordinária doença conhecida na história da humanidade.
- O mais amplo estudo epidemiológico sobre burnout que conheço foi publicado em 2018 no JAMA – Journal of the American Medical Association. É uma revisão sistemática de 182 publicações sobre prevalência de burnout entre médicos, com uma amostra de 109.628 indivíduos, de 45 países, cobrindo um período de 27 anos. Resultados: esse estudo encontrou prevalência de burnout variando entre 0 e 80 por cento e identificou 142 definições para burnout. Sim, se você se perguntou “como é possível existir 142 definições para um mesmo fenômeno??”, sua pergunta faz todo o sentido…
- Schaufeli, o principal teórico da área, propõe que o “diagnóstico” de burnout seja usado apenas para “pessoas ‘normais’, sem psicopatologia” (sic). Como assim, professor?? Quer dizer que uma pessoa que tenha ou já teve algum sintoma de ansiedade, depressão, fobia, transtorno obsessivo-compulsivo e mais algumas dezenas de outros não poderá ser jamais considerada em burnout? E como separar uns dos outros numa pesquisa sobre burnout? Além disso, Schaufeli resolve em duas linhas uma das questões mais complexas e dinâmicas da psicopatologia, separando os ‘normais’, sem psicopatologia, dos ‘anormais’, com psicopatologia. A literatura sobre o assunto está, infelizmente, mergulhada em soluções esdrúxulas e levianas como essa.
- Neurastenia é um diagnóstico de 1863 em completo desuso atualmente e só é mantido na CID 10 porque ainda é usado na China . Schaufeli explica o que é neurastenia e propõe que “neurastenia relacionada ao trabalho seja o rótulo diagnóstico psiquiátrico mais apropriado para o burnout.” Não há como não perguntar mais uma vez: como assim, professor?? Os especialistas em burnout dizem que é uma doença, patologia, enfermidade, etc. e, de repente, o sr. vai à CID 10 e, arbitrariamente, escolhe neurastenia relacionada ao trabalho como “o rótulo diagnóstico psiquiátrico mais apropriado para o burnout.” ?? Onde está a doença da qual tanto falam? É apenas uma questão de escolher “o rótulo psiquiátrico mais apropriado para burnout”? É assim que a ciência funciona no território do burnout?
- Maslach afirmou ao longo do tempo que burnout não é uma condição clínica. Parece, entretanto, que os adeptos do burnout foram se encantando com a possibilidade de que passasse a ser considerado uma condição médica. Para ser considerado um diagnóstico médico, Maslach propõe o seguinte critério: se uma pessoa apresenta burnout grave em EE e também grave em mais uma das suas variáveis (DE ou RP), isso caracterizaria um diagnóstico médico. Ora, vejam só… Isso implica, por simples lógica, que uma pessoa pode apresentar burnout grave em EE, moderado em DE e leve em RP (ou qualquer outro arranjo do tipo). Aí está mais um dos disparates desse teoria: o indivíduo pode ter três formas clínicas do fenômeno dentro de si… Imagine aplicar essa ideia a qualquer agravo de saúde… Considere o que você pensaria se fosse a um médico que te dissesse: “Bem, você está com disenteria leve, moderada e grave.” Imagine o mesmo para qualquer diagnóstico médico: diabetes, pneumonia, gripe, depressão, ansiedade, meningite, câncer…
Veja também: Síndrome de Burnout: O que é e como tratar ?
Fonte: Estevam Vaz De Lima – Psiquiatra E Psicanalista | Médico pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP); psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria/Associação Médica Brasileira, psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise/International Psychoanalytical Association, Médico Psiquiatra e Perito Oficial do Tribunal Regional de Trabalho da 2ª. Região; professor convidado do Curso de Formação de Juízes da EMATRA2; ex-aluno e professor convidado do Curso “Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho” do grupo SAMPO/ Instituto de Psiquiatria/FMUSP; assistente técnico da União em Psiquiatria.
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